quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O MEIO AMBIENTE E A ESPIRITUALIDADE NA FALA DO POVO XOKLENG/LAKLÃNÕ

Nosso objetivo é trazer a luz e mostrar ao publico oque estava por de traz da cortina do tempo a reciprocidade e o respeito da natureza que o povo Xokleng/Laklãnõ tem pelo meio ambiente e sua espiritualidade. Neste sentido é considerada como aspectos referenciais  desta sociedade pela  educação ambiental no seu entendimento.  
A seguir será apresentado sobre a espiritualidade e a relação com a natureza, recursos vitais coletados nos ambientes, a reciprocidade e a demanda por recursos naturais, propostas de cuidado e recuperação ambiental.

 

A Relação com a Natureza e a Espiritualidade  


Para os Xokleng/Laklãnõ, tudo na natureza o que possa demonstrar ou ter fundamento religioso é espiritual. A relação deste povo com a natureza é permeada por sentimentos de que tudo é sagrado.  Assim acreditam que os bichos têm espíritos por isso quando vão matar qualquer animal de caça para se alimentar, eles pedem permissão e perdão, explicando porque que está sendo morto, por necessidade de comer carne.
Da mesma forma para tirar mel de uma abelheira é pedido a permissão e perdão para a própria abelheira explicando para que ela está sendo tirado o mel. Por considerar que as arvores tem espíritos, a arvore não era derrubado, havia uma forma de manter ela de pé e por isso subia na arvore e furava diretamente no local a onde está a abelheira sem precisar derrubar a árvore.

 

O Kujá (Pajé)


No universo dos Xokleng/Laklãnõ, surge à figura do Kujá (Pajé), que é uma pessoa de destaque dentro da comunidade que além de se comunicar, como as demais pessoas de seu povo e com os entes naturais, estabelecendo assim uma relação ainda mais intensa, desenvolvendo assim uma capacidades de cura, enfrentando desafios e  predição do futuro por meio da ajuda e a participação direta destes entes naturais.
O Kujá (Pajé) desempenhava o papel de um líder espiritual ao estabelecer ou alargar um canal de comunicação e comunhão com a natureza, trazendo assim um  conforto espiritual e físico. O Kujá (Pajé), mais lembrado e mais respeitado até os dia de hoje entre os Xokleng/Laklãnõ é o Kámlẽn, ele viveu até as primeiras décadas do século XX. Quando em 1914 quando foi estabelecido o contato dos Xokleng/Laklãnõ com os não indígena, o Kámlẽn já vivia na atual Terra Indígena.
Esta conexão íntima com a natureza, havia entre vários outros tipos de Kujá, os que conversavam com os animais, como  Kámlẽn  e o  Kuvenh já conversava com o espírito da onça e o Nẽvo foi um grande Kujá, este conversava com todos os espírito quer seja de animais como da natureza e também traziam segundo suas crenças os espíritos da criança quando este morre. Isso quer dizer que o mesmo tinha outros forma  distintas de diálogo com a natureza e com outros espíritos. Os Kujá (Pajé) só não tinha contato com ente da natureza, mas também predizia o futuro.
Neste sentido no universo próprio criado pelos Xokleng/Laklãnõ os elementos da natureza são dotados de espírito e segundo suas crenças são seres passíveis de se comunicarem e de se relacionarem com os Xokleng/Laklãnõ, criando um clima de compartilhamento do espaço, do tempo e da vida cotidiana. Em sua espiritualidade eles estabelecem uma interação com o mundo criando uma realidade onde pessoas são formadas e formam a natureza, compondo um todo indissociável.

Conversar com a Natureza


Conversar com a natureza entre os Xokleng/Laklãnõ, não foi descrito apenas como algo restrito aos Kujá (Pajé), mas sim  eles  vivenciavam isto no passado e ainda vivem de acordo com estes valores. No passado distante quando viviam no mato tinham uma relação de afeto com a natureza, conversavam com ela para conseguirem o que precisavam e para se entender com ela, por essa razão não tinham medo das cobras e não precisavam estar matando-as, pois conversavam com elas para que não lhes picassem.
Neste sentido entre os Xokleng/Laklãnõ a habilidade de comunicação com os seres da natureza é comum a qualquer indivíduo deste povo em suas atividades do cotidiano como a caça e a agricultura.
A comunicação com a natureza entre os Xokleng/Laklãnõ é possível por que segundo suas crenças todos os elementos da natureza têm espírito, sendo que esta crença e costume ainda estão vivos entre os mesmos. Pois para eles este hábito faz parte do conhecimento popular desta sociedade.
Segundo os Xokleng/Laklãnõ, o ser da natureza, quer seja animais ou da própria natureza estabelecem uma teia espiritual com as pessoas. Assim, deve-se sempre respeitar aquele que está interligado espiritualmente com sua linhagem.
 Assim os seres espirituais da natureza levavam o nome de gyjun (espírito) e acima desses há um maior que comanda designado de Gyjun tõ gynhmõ nẽ (espirito que está acima) ou Ãggklẽnẽ (alguém acima de nós). Este ser maior foi relacionado com o nome de Jesus, adaptando as crenças cristãs a estas crenças tradicionais Xokleng/Laklãnõ.
Além da conversação direta com os seres da natureza, há também tipos de animais que  atribuíram  e  são determinados para diferentes tipos de  manifestações, como ronco do bugio ou de pássaros  que podem representar mudança de tempo ou a morte de alguém. De acordo com a crença do Xokleng/Laklãnõ há também dois tipos de passarinhos que podem comunicar sorte ou azar. Estes pássaros são considerados sagrados até os dias hoje e ele não pode ser morto.
Esta espiritualidade atualmente é valorizada e estimulada para que isso não venha se perder ao longo do tempo entre esta sociedade, restabelecendo assim um novo equilíbrio entre este povo por meio de um retorno aos costumes tradicionais de conexão com a natureza, permitindo que eles recriem sua identidade e cultura com base nos costumes ancestrais, apesar das transgressões e rupturas decorrentes da sociedade envolvente.
Pode se perceber que por meio da descrição ao longo deste texto à espiritualidade Xokleng/Laklãnõ, e conhecimento sobre a natureza, diferentemente do contexto dito “civilizatório” vigente, está diluído em estruturas culturais difusas como nas histórias já que a cultura desta sociedade  não têm uma base objetivada.  O que se pode perceber e o que demonstra um contexto com potencial para um convívio equilibrado deste povo com a natureza por possuir os valores culturais dos seus ancestrais relacionados ao respeito, evidenciado principalmente na forma de extração de recursos naturais de que necessitam  por meio de pedidos de permissão a natureza.
Estes cuidados em relação à natureza demonstrados por meio de um sentimento de afeto e de pedido de permissão de uso, podem ser compreendidos no contexto de sua realidade  tradicional demonstrando assim um extremo sentimento de respeito e de integração a natureza que, no caso em questão, sustenta um sentimento de pertencimento ao povo Xokleng/Laklãnõ com a natureza como um todo.
No entanto pode se perceber na descrição apresentada sobre a espiritualidade e a relação com a natureza deste povo, um considerável potencial para fundamentar programas de educação ambiental ao atrelar sentimentos de respeito à ancestralidade, ao mágico e a personificação da natureza, podendo assim aproximar os Xokleng/Laklãnõ a tal ponto dos ambientes que em determinados momentos a separação entre ser pessoa e ser natureza se torna um dualismo impraticável.  Este contexto pode gerar um sentimento de identidade com a natureza, podendo se consolidar como um fator essencial em processos de desenvolvimento deste povo no tocante ao ambiente, destacando-se neste trabalho atividades de Educação Ambiental.

Recursos Coletado no Ambiente


Outro tema de destaque são os recursos vitais coletados nos ambiente, é uma categoria na qual os conhecimentos do povo estão relacionados aos recursos naturais utilizados como parte da cultura do povo Xokleng/Laklãnõ.
Entre os recursos vitais estão relacionados à alimentação, principalmente os ligados a caça.  Pois no passado havia muitos animais disponíveis para caça. A carne de animais nativos era como alimento muito importante, pois toda a alimentação era somente a base de carne. Atualmente houve uma drástica diminuição dos animais que era caça como de costume do povo Xokleng/Laklãnõ, isso ocorreu devido à diminuição das áreas de florestas. Isso causou uma   mudança drástica na vida como nos hábitos alimentares desta sociedade. O povo que era no passado migrante, atualmente está confinado em um pequeno espaço de um pouco mais de 14 mil hectares de terras. 
Para os Xokleng/Laklãnõ as ervas medicinais são de fundamental importância para a preservação cultural com a natureza, pois as ervas medicinais oferecem um tratamento natural a base das ervas.
Embora os conhecimentos dos Xokleng/Laklãnõ relacionados à sua interação com o meio ambiente tenham sofrido considerável perda após o contato com as sociedades não indígenas, mas pode-se perceber que o uso de recursos naturais está ainda presentes como parte da cultura e da memória coletiva desta sociedade.


ALMA SOBREVIVENTE NO CONTEXTO DA CRENÇA TRADICIONAL LAKLÃNÕ/XOKLENG

RESUMO

Este trabalho aborda as crenças e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng que atualmente vive na Terra Indígena Laklãnõ nós quatro municípios catarinense: José Boiteux, Vitor Meireles, Itaiópolis e Doutor Pedrinho na região noroeste do estado. Atualmente as crenças e espiritualidade desta sociedade na aldeia passam por uma revitalização que ao logo da história de contato com a sociedade não indígena era deixada de lado, hoje está sendo revivida de acordo com a realidade atual deste povo. O que era no passado destinado para catequisar e assim integrar os indígenas à sociedade dominante. Hoje as casas de oração na aldeia é considerada  um lugar para expressar sua fé cristã e assim reafirmar suas crenças tradicional e da mesma forma reafirmar sua identidade enquanto povo. Da mesma forma as casas de oração faz parte das demandas e dos projetos políticos do povo. Sob este olhar é reconhecido pelo povo como um espaço de interações e também considerada como  espaço de contato entre mundo distinto, entre forma de saber e conhecimento distintos espiritual. Sob este olhar entre a crença e a espiritualidade, este artigo objetivou trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre crenças tradicionais e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng no passado antes do contato e como está sendo agora. Assim buscou se apresentar um panorama geral sobre o que é a crença e espiritualidade tradicional e a religiosidade  dogmáticas sob o ponto de vista do povo  e no contexto desta sociedade. O presente trabalho retrata como era vista pelos Laklãnõ/Xokleng a cosmologia e o respeito pela natureza no passado distante e suas lembranças e quais as suas perspectivas para as novas gerações e como é a luta para manter seus costumes diante da invasão de diversas outras culturas.


 PALAVRAS-CHAVE: índios Laklãnõ/Xokleng; Cultura; Crenças e Espiritualidade Tradicional.


INTRODUÇÃO
                                                                           
Esse artigo se ocupa de um tratamento descritivo das histórias sobre as crenças e a espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng, certamente com algumas exclusividade de forma como esta sociedade acreditava numa “cosmologia”[1] de acordo com sua cultura tradicional no passado distante. Quando estamos se referindo com alguma exclusividade, estamos nos referindo que se trata de uma crença tradicional mas não há uma análise aprofundada antropologicamente sobre o funcionamento das história em um  contexto antropológico ou mesmo linguístico, mas a intenção é colocar a disposição do publico  como era tratada a espiritualidade desta sociedade e assim diferenciar um espaço sobrenatural, afirmando que há uma dimensão superior que seria céu e uma dimensão inferior que seria terra.  Sobretudo no contexto dos Laklãnõ/Xokleng, no que ela se insere para uma reflexão sobre todos os aspectos nos processos tanto educacionais como no próprio ambiente nas casas de orações (igreja).
Ao longo da história dos povos indígenas, a finalidade do cristianismo era  destinado à catequizar em crença  dogmáticas e assim  ‘civilizar’ os nativos para assim integrar a  sociedade dominante.  Mas o que se pode entender que as crenças e a espiritualidade dos povos nativos já existiam desde inicio da criação da humanidade, pois ali todos os saberes tradicionais culturais e crenças eram cultuados de acordo com a realidade de cada povo, assim, a visões de mundo destes nativos estabelecia os símbolos que relacionavam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais de acordo com cada especificidade de cada povo de acordo com sua realidade. O que não se pode confundir é a conversão dos povos indígenas para uma determina crença religiosa dogmática cristã e isso é vista pelos ‘intelectuais’ como uma transformação com finalidade de fazer com que esses nativos deixam de praticar suas crenças e espiritualidade tradicional de lado. Como pertencente de um povo nativo, considero que converter se a uma fé cristão, é um complemento de uma crença que já existia ao longo da história de qualquer povos nativos ou indígena.
Neste contexto, o universo próprio criado pelos Laklãnõ/Xokleng e os elementos da natureza são dotados de espírito e segundo suas crenças são seres passíveis de se comunicarem e de se relacionarem com os próprios Laklãnõ/Xokleng, criando assim um clima de compartilhamento do espaço, do tempo e da vida cotidiana. Em sua espiritualidade eles estabelecem uma interação com o mundo criando uma realidade onde pessoas são formadas e formam a natureza, compondo um todo indissociável. Este contexto pode ser compreendido como a luz do saber tradicional que é forçada e sustentada e faz mover o povo através de símbolos poderosos, de sonhos, de projetos e de visões, estabelecendo uma relação de alteridade entre os seres da natureza e as pessoas. Por essa razão, a conversão de qualquer sociedade indígena a uma fé Cristã não deve ser vista como um intruso para a perda dos costumes e crenças de acordo com sua realidade, mas sim deve ser vista como complemento do que já existia.
Sob este ponto de vista, de acordo com nossa análise, a capacidade de uma  sociedade indígena de se comunicarem com os espíritos de animais, de plantas e mesmo de seres inanimados que por sua vez podem se manifestar na forma humana, sobretudo os líderes espirituais como “kujá” (Pajés) para este povo é muito forte. Da mesma forma a espiritualidade demonstra-se também de diferentes formas em outras nações indígenas de acordo com a família linguística que pertence. Entre a sociedade Laklãnõ/Xokleng, nos faz entender que há uma relação de alteridade e reverência a seres da natureza como componentes fundamentais de sua cosmologia que estabelecem entre a natureza. Como citamos anteriormente, pode se dizer que a espiritualidade indígena fundamenta-se na unidade entre o natural e o social por meio da ligação a poderes atribuídos a determinados seres naturais como animais, plantas e ou outros elementos.
Sob este entendimento, o objetivo deste artigo é apresentar ao leitor como é as crenças e a espiritualidade na cultura desta sociedade  através das histórias narradas pelos anciãos e assim tentar demonstrar como era a realidade dos Laklãnõ/Xokleng que resistiram à invasão e disseminação de diversas culturas em seu território tradicional antes e pós contato com a sociedade não indígena.
Da mesma forma queremos justificar que decidimos aceitar o convite para publicação deste artigo para colocarmos a disposição do publico em geral, como era e como está sendo as crenças e espiritualidade deste povo através das narrativas de alguns anciãos considerados grandes narradores das histórias orais na época, hoje já falecidos. A intenção é trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre crenças tradicionais e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng no passado antes do contato e como está sendo agora e assim tentar preservar o que sobrou das histórias narradas oralmente desta sociedade.

Organização Social Antes do Contato com a Sociedade Não indígena

Antes do contato com a sociedade não indígena, segundo as histórias contadas pelos anciãos, o território tradicional ocupado pelos Laklãnõ/Xokleng se estendia do planalto até o litoral, entre o Porto Alegre no estado de Rio Grande do Sul até os campos de Curitiba e Guarapuava no Estado do Paraná, incluindo quase todo o centro-leste do estado de Santa Catarina excetuando a orla marítima. Atualmente os Laklãnõ/Xokleng são tradicionais ocupantes das terras localizadas entre o litoral e o planalto mais especificamente no Alto Vale do Itajaí. Em sua maioria a população são Laklãnõ/Xokleng, falam a língua com o mesmo nome do povo. A língua falada é da família linguística “Jê” meridional. Há também alguns descendentes do povo Kaingang trazida no inicio do século passado para ajudar no contato dos Laklãnõ que ocorreu em 1914. O que  se deve deixar claro que na Terra Indígena Laklãnõ, não há família do povo Kaingang, mas sim descendente e alguns casamento de mulheres Kaingang com homens Laklãnõ/Xokleng, o que não deve ser considerado como famílias mas sim como descendentes.  Por outro lado há algumas famílias do povo Guarani Mbya migrada para o território dos Laklãnõ e convive pacificamente este o povo Laklãnõ/Xokleng.
Segundo VEIGA, J.  (2004), antes do contato oficial com a sociedade não indígena, os Laklãnõ/Xokleng, além da caça e da coleta, praticavam a agricultura[2] e com isso viviam em aldeias permanentes. Diferente de outros autores afirmarem que a sociedade Laklãnõ era nômade ou seminômade. O que a autora nos coloca, isso confirma as história que ouvia dos anciãos como membro nativo deste povo e também como pesquisador desta sociedade. As histórias que eu próprio ouvia dos anciãos Laklãnõ/Xokleng e principalmente do meu pai e do meu avô desde minha infância, antes do contato com a sociedade não indígena, na medida da ocupação dos seus territórios pelos colonizadores, deu se o início dos conflitos e também das perseguições e assim muitos Laklãnõ/Xokleng foram mortos por esses invares europeus. Esses conflitos fez com que o povo se tornar seminômades, vivendo da caça e da coleta dos pinhões, “zág zy” (fruto da Araucária ou pinhão). Por causa destes conflitos e perseguição dos colonizadores na região onde viviam, os Laklãnõ não obtiveram mais acampamentos fixos e desta forma deixaram de cultivar as terras.
 De acordo com minha pesquisa para Dissertação (2005), os anciãos que foram consultamos, afirmaram que no passado antes do contado com o não indígena, os Laklãnõ/Xokleng dividiam e organizavam seu tempo em dois períodos, verão “lõ” ou “plõg” como chamava e inverno “kutxó”.  Assim, passavam o inverno todinho no planalto em   época de pinhão, um dos principais fontes de alimentação desse povo. No verão, desciam para o vale a onde se reuniam e construíam acampamento (ranchos) em semicírculo, voltados para uma praça central onde faziam os rituais de preparação (iniciação), casamentos, ritos funerários, confraternizavam se, caçavam e planejavam ataques aos inimigos[3]. Terminada a estação cerimonial, a vila se desfazia e os grupos saíam para mais uma jornada no planalto no inverno e se reencontravam novamente para outra cerimônia já planejada no verão seguinte.
Segundo os anciãos Laklãnõ/Xokleng (2005), após o casamento o homem sai da casa dos pais e passa morar juntos com os pais da esposa, sem que atenuar seus laços com a família extensa de origem, pois davam grande valor às lealdades paternas. De acordo com meus colaboradores (informante) e como membro desta sociedade afirmo que, existia no passado antes do contato ‘poligamia’, mas não existia ‘poliandra’, ou seja, união conjugal com mais de um homem. Greg Urban (1978) também afirma que além de casamento monogâmico, mas também há casamento ‘poligamia’ entre os Laklãnõ/Xokleng. Diferentemente do que Jules Henry (1935) afirmar que havia além de casamentos ‘monogâmicos’ e ‘poligamia’ mas, também na forma de ‘poliandria’ e ainda casamentos em grupo. Discordo desta informação de Jules Henry (1935), é informação distorcida e não verdadeira. Atualmente a sociedade Laklãnõ/Xokleng se sentem humilhado e sente desconfortável com esta fonte,  pois as informações que tenho como membro deste povo ter me criado e vivido junto com grandes narradores ancião nos anos 80, lamentavelmente afirmo que é uma fonte não verdadeira.  Quando falamos que discordamos são discordância da própria comunidade Laklãnõ/Xokleng, os mesmos argumentam que isso viola a imagem histórica e integridade desta sociedade.

O ritual de Iniciação das Crianças

A maior festa dos Laklãnõ acontecia por ocasião da furação dos lábios dos meninos “glókózyn”, onde vários grupos se reuniam comemorando com danças “ãgglan” e muita bebida feita à base de mel, água e xaxim e depois de pronta chamada de “mõg”. O povo considerava que com três a cinco anos de idade os meninos tinham que ter botoques inseridos no lábio inferior. Já as meninas, com a mesma idade, recebiam ‘tatuagens’ ou marcas na perna esquerda, abaixo da rótula. Os padrinhos responsáveis pela perfuração labial e também pelas tatuagens eram os mesmos que enterravam o cordão umbilical da criança ao nascer e que mais tarde, acompanhariam o desenvolvimento e socialização das crianças até a fase adulta. Normalmente, os afilhados eram os incumbidos da cremação de seus padrinhos quando morriam.
Atualmente não há mais cerimônias de iniciação tradicionais entre o povo Laklãnõ/Xokleng,  nem para meninos e nem para meninas, apenas isso está vivo em suas memorias, mas deixado de ser praticada.


A Crença e Cosmologia dos Laklãnõ/Xokleng

O povo Laklãnõ/Xokleng, historicamente era religios[4], ou seja, desde o passado remoto já acreditavam que existe céu e terra, para os mesmo no lado de cima considerava que há céu e também acreditava que existia seres “ãggaplẽg” (espíritos) morando lá, também acreditava que há uma  vida após a morte pois segundo suas crenças a vida continua no lado de lá[5] após a morte e continuam praticar suas atividade que praticavam antes de seu falecimento. Os Laklãnõ/Xokleng como quaisquer outros povos nativos, acreditavam em espíritos ‘gyjun[6]’ e ‘kuplẽg[7], que habita entre as árvores, nas montanhas, nas cavernas ou paredão de pedras, correntezas d’água, ventos, para esta sociedade todos os animais pequenos ou grandes tem espíritos. Acreditavam também que encontrar “gyjyn” (espírito) poderia ser perigoso, mas também poderia ser bom se oferecessem uma ajuda em seu cotidiano. Acreditavam também que os animais tinham espírito que os controla e protegia, permitindo ou não aos homens matá-los. Ou seja, o povo Laklãnõ/Xokleng acreditava na natureza. De acordo com suas crenças, se desobedecerem aos espíritos de animais ou da própria natureza, eles também poderia matar. Como foi citada anteriormente, os Laklãnõ por serem um povo muito religioso, também acreditavam que existia  um ser superior que está acima de nós “Ãgglẽnẽ”.
Em março de 1984 a junho de 1985, dei início à pesquisa para registrar as  histórias do povo Laklãnõ/Xokleng, a intenção inicial não era registrar em livro ou fazer uma análise linguística, mas documentá-las em fitas-cassete para preservação das histórias e cultura do povo a qual pertencia, tendo permanecido como acervo pessoal, e, sem orientação, transcrevi todas as fitas para a escrita Laklãnõ da forma como entendia. Na época da coleta das histórias, utilizei gravador com simples fita K7 e depois transcrevia de próprio punho tudo em caderno, sem imaginar que num futuro próximo este corpus serviria como o maior tesouro da história do povo Laklãnõ/Xokleng. Hoje é um grande tesouro, reconhecido pelo povo, pois todos os grandes narradores Laklãnõ, autores das histórias deste corpus, já faleceram. Da mesma forma, sem imaginar que num futuro próximo todo esse material serviria como material de leitura e também como base para a elaboração de uma gramática de referência desta língua, que está hoje a cargo do meu doutoramento.
 Considerando como membro desta sociedade, quero deixar registrado, que nada acontece por um acaso, tudo isso estava escrito pelo grande criador supremo “Ãgglẽnẽ”, que em algum momento  estes corpus estaria sendo utilizada para revitalizar a história do povo Laklãnõ/Xokleng e assim reafirmar a identidade étnica desta sociedade.
Como mencionada anteriormente, em uma das histórias narradas pelos anciãos que gravamos, a história fala que depois do contato em 1914, por volta de 1927, um  pouco mais de dez anos de contato, um dos últimos maior “kujá”, seu nome era Kámlẽn, antes de sua morte,  ele falou para as pessoas que estavam junto dele, apontou com a mão para o céu, dizendo que o buraco ou porta do céu ficava ali naquela direção, “no sentido oeste”. O mesmo afirmou que, por aquela porta estava subindo com  um "Ser" com o nome "JUN, JUJU[8]" para morar junto com ele no além (céu), lá estaria intercedendo por eles e tudo eles precisar é só pedir que ele próprio estaria os ajudando com isso.  
Diante da fala do ‘kujá’ Kámlẽn, observamos também que nas outras histórias gravada também afirma esta versão de existir um céu e uma terra já desde os tempos dos seus ancestrais, antes do contato com a sociedade não indígena.
Considera se relevante destacar que por volta de 1927, quando o grande ‘kujá’ Kámlẽn falou isso antes de sua morte, o cristianismo não havia sido penetrado na Terra Indígena. Ou seja, o cristianismo foi implantado entre a comunidade Laklãnõ/Xokleng somente em 1948, ou seja, aproximadamente vinte anos após.
Diante deste contexto, observa-se que o povo Laklãnõ/Xokleng acreditava e fazia esta diferença de existir  um céu e uma terra. Também diante desta fala do Kámlẽn , nos mostra claramente de que o povo acreditava que há seres no céu como na terra.  Esta fala nos afirma que o povo não só acreditava nos espíritos de animais, mas sim, num "Ser" superior que está acima de nós. 
Reforçando esta mesma fala, em outra história que foi gravado na mesma época, também afirma da existência de um céu e uma terra, mas de outra forma. Observe na integra a tradução desta história: “...no passado distante, havia um gavião igual a onça que comias as pessoas. Para comer o ser humano, a onça gavião levava para o céu a pessoa. Raptava as pessoas e leva para o céu e lá comia com os demais outros gaviões... Um dia ‘Kujánhkág’ e seu irmão ‘Nãnbág’ foram caçar e a onça gavião raptou ‘Kujánhkág’ naquele dia. Seu irmão ‘Nãnbág’, passado tempo, subiu atrás lá céu para buscar seus ossos... Mas antes deste acontecimento os dois iam caçar juntos, eles sempre falava um para outro dizendo: “ Se um dia um de nós for raptado pelo onça gavião, aquele que ficar vai atrás buscar os ossos lá no céu e quando trouxer, loca num lugar distante num cesto que depois de algum tempo, vai se transformar num homem e assim vai retornar novamente”... Alguns dia depois aconteceu oque os dois previam, o ‘Kujánhkág’ de fato foi raptado pela onça gavião. Como seu irão irmão ‘Nãnbág’ tinha contato com os espíritos de gavião lembrou o que haviam combinado com seu irmão e então ele pegou as penas e fez suas asas e o rabo, depois de pronta, antes de subiu voando até ao céu buscar os osso do seu irmão conforme oque havia combinado. Mas antes de subir falou para seus parentes dizendo: “ ... Eu vou subir no céu buscar os ossos daquele homem que foi raptado pela onça gavião! Quando eu subir buscar, vocês me esperam aqui! Por ali fica o buraco (porta) do céu! Então vocês ficam de olho naquele buraco, vou entrar ali, para vocês me ver, fica de olho lá! Ao Falar isso para os parentes, ele apontava para o céu no sentido oeste como o “Kámlẽn” maior pajé Laklãnõ/Xokleng falou antes de sua morte em 1927. Conforme a história, quando Nãnbág chegou lá no céu, ele viu e teve contato com seres vivente do sexo masculino e feminino. De acordo com a história há uma vida lá no além-semelhante à vida aqui na terra, ou seja, há um céu e uma terra. Isso reforça nitidamente que a vinda do cristianismo entre o povo na aldeia, veio para complementar a sua crença, que já existia ao longo de  toda sua história desde o passado remoto até os tempos atuais.   
Pode se observar claramente na história relatada acima que a sociedade Laklãnõ/Xokleng no passado distante acreditava numa reencarnação após a morte.
Em outra terceira história também gravada na mesma época nos anos 80, complementou oque  foi falada nas outras duas história citada anteriormente, mas de forma diferente. A ler esta terceira história, confirma a ideia de que no passado distante a crença e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng era conforme seus costumes e suas tradições.  Veja esta terceira história sobre a existência da continuação da vida a pós a morte no outro lado da dimensão.
O povo acreditava que  poderia   adotar espírito de criança e colocá-lo no ventre de sua mulher ou da filha, para que a criança pudesse renascer, isso se a criança já é falecido.  Nesta história na época um dos maiores “kujá” (pajé) seu nome era ‘Ulol’, quando morria um filho ou um neto, ele buscava o espírito dessa pessoa seja adulta ou criança, mas trazia e colocava no ventre da mãe ou da filha e assim renascia o filho ou o neto novamente com as mesmas características física. Esses costumes e crenças estendeu se até os anos 60 e com a imposição do cristianismo foi deixada de lado mesmo que no fundo ainda até os dias atuais se acredita ainda. Segundo a história no lugar a onde ele buscava o espirito da pessoa falecida,  havia lugar separado para as crianças e também para os adultos e que a vida  no lado de lá após a morte continua como antes de sua morte. Essa versão reforça ainda mais o que foi citada anteriormente que o povo Laklãnõ/Xokleng no passado distante acreditava numa reencarnação após a morte.
Da mesma forma o “kujá” (pajé) Ulol segundo a história, por ter contatos com vários espíritos, ao ver necessidade dos seus parentes, ele chamava os bicho de caça como: anta, porco do mato (queixada), tateto entre outros animais de caça ele chamava para eles matarem e assim comer carne.
No passado entre os Laklãnõ/Xokleng, os mortos adultos eram cremados conformes seus costumes e seus restos mortais eram colocados em um cesto e enterrados. Já as crianças eram enterradas, pois acreditava se  que seu espírito retornaria ao ventre da mãe e renasceriam novamente. Para isso acontecer, os pais tinham que ir todos os dias no final da tarde ao lugar onde foi enterrada a criança para chamar seu espírito e assim segundo suas crenças, o espírito retornaria junto com os pais para casa e a mãe ficava grávida novamente e com isso a nova criança que nascia recebia o nome do já falecido (a). Atualmente no fundo entre os Laklãnõ mais velhos mantém-se ainda viva essa a crença de que o espírito da criança, depois de morta, retorna para os pais mesmo que a igreja condena está crença tradicional.
Sob esta imposição da igreja também, grande parte das plantas medicinais utilizada no passado pelos “kujá” para as curas de doenças corporais e as praticas do exorcismo tradicional, foram deixadas de lado e assim todos esses papel foi ocupado pelos pastores evangélicos. Assim, os mesmos fazem orações, lembram assim as técnicas de cura utilizadas pelos antigos “kujá”.

Comentário sobre Alma Vivente no Contexto Cristão, Filosófico e Laklãnõ/Xokleng


No contexto das histórias tradicionais contada de geração a geração entre os Laklãnõ/Xokleng que foi citada na integra anteriormente, se fará um breve comentário sobre o meu ponto de vista como membro nativo desta sociedade.
Desde o inicio da humanidade acredita se que existe outra vida após a morte. Que a morte é uma passagem da vida terrena para o outro lado da vida, para o convívio com os deuses. Sobre esta ideia de ‘alma sobrevivente’ após a morte, interpreto que tudo o que vemos no mundo são imitações das ideias perfeitas do mundo das ideias, que consistem em varia ideia sobre a mesma teologia conforme suas representações nas variadas culturas e cada um com crença tradicional diferente uma de outras.
Sob este olhar, o que está no mundo é cópia daquele seu modelo interpretada de diferentes formas. Neste aspecto interpreto o que considero adequado para cada cultura que considera correto sobre a ideia da alma sobrevivente.
Levando em consideração que para os cristãos, a alma do homem, após sua morte, vai para um lugar preparado chamada ‘paraíso’, para esperar o dia do juízo final, onde será julgada conforme suas obras aqui terrenas. Assim, uns ganharão galardão e outros a condenação eterna. Quase com a mesma interpretação, os católicos e apostólicos pregam que a alma do homem após sua morte fica num lugar chamada de ‘purgatório’, para se purificar e depois serem perdoados no dia do juízo final, assim uns serões julgados conforme suas obras  terrenas e assim ganhar seu perdão e outros a condenação eterna. O filósofo Platão (428 a.C. - 347 a.C), acreditava que as almas migram de um corpo para outro após a morte. Assim, uma alma transmigra para vários corpos antes que o seu ciclo de perfeição chegue ao fim. Mas, conforme a suas obras, elas poderá ter uma punição de formas diferentes. Para Platão, as almas que tiverem praticado a virtude comum, não filosófica, poderão reencarnar em animais mansos e sociáveis ou em homens honestos e virtuosos. Para ele, as almas que cometeram crimes gravíssimos e irreparáveis a punição é longa. De acordo com o Platão, por ter praticado a injustiça, será passada pela dor e pelo sofrimento, tanto na terra como no ‘Hades’, que é o lugar para onde irão as almas após a morte.
Com o mesmo ponto de vista dos cristãos e do filósofo Platão, o povo Laklãnõ/Xokleng interpreta desde o passado remoto até os dias atuais sobre a vida terrena e sua alma após a morte terrena. Como se pode ver nitidamente nas histórias acima que os Laklãnõ/Xokleng acreditam que existe uma vida após a morte. Para o Laklãnõ nessa percepção, o homem é um ser de duas dimensões, composta de corpo e alma. Isto confirma o que Platão afirmava sobre a ideia de duas dimensões humana. De acordo com os meus colaboradores anciãos, a história do “kujá” Ulol citada anteriormente, o mesmo afirma que há um lugar preparado para as almas daqueles que se foram desta vida terrena e que neste lugar todas as almas, tanto adultos como crianças, ficam esperando seus entes queridos que um dia vá encontrar. Enquanto espera seus entes queridos, eles continuam fazendo seus afazeres do dia a dia que fazia na vida terrena. Assim para os Laklãnõ/Xokleng, a vida continua no mesmo ritmo depois da morte, isto significa para eles é uma passagem da vida terrena para uma vida nova.
Sobre esta ideia de alma sobrevivente, interpreto que independente das etnias e crenças religiosas ou filosóficas, a ideia sobre a ‘alma’ ou vida após a morte, seguem o mesmo raciocínio e com a mesma ideologia, ou seja, cópia do modelo que já está no mundo com interpretações de diferentes formas.

Considerações Finais.

Este pequeno trabalho não teve grandes pretensões, mas sim, objetivou trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre crenças tradicionais e religiosidade entre os Laklãnõ/Xokleng.  Busquei apresentar um panorama geral sobre a como é ponto de vista do povo  e no contexto desta sociedade.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para despertar maior interesse no meio acadêmico sobre a importância das crenças tradicionais e da espiritualidade entre os Laklãnõ/Xokleng e os demais povos nativos ou indígenas no Brasil. Da mesma forma, esperamos que este trabalho possa ser uma ferramenta de pesquisa entre os professores indígenas Laklãnõ/Xokleng e assim ampliar suas pesquisas referente a historia das crenças tradicional da sociedade em que pertence.


Referencias Bibliográfico


GAKRAN, Nanblá.  Educação Escolar na comunidade Xokleng. Monografia de Graduação (TCC). UNIVALI ( Universidade do Vale do Itajaí, 2000).

GAKRAN, Nanblá. Estudo da Morfossintaxe da Língua Laklãnõ/Xokleng Jê. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, 2005.  

HENRY, Jules. A Kaingang Text. Internacional Journal of American Linguistics, Vol. VIII. New York, Ag. 1935  n° 3-4.

HOFFMANN, Kaio Domingues. Musica, Mito e Parentesco: Uma Etnografia Xokleng. Dissertação de Mestrado: Florianópolis, SC,  2011.

MELO, Elias João de. Interação Ambiental e a Educação em Terra Indígena: o contexto Xokleng/LaklãnõSC/Brasil. Dissertação de Mestrado. FURB, 2012

SANTOS, Sílvio Coelho dos. Índios e Brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis: Ed. Edeme, 1973.

SANTOS, Sílvio Coelho dos. O homem índio sobrevivente do Sul: antropologia visual. Florianópolis: Ed.Garatuja, 1979.

URBAN, Greg. The Semiotics fo two Speech Styles in Shokleng. In Elizabeth Mertz and Richard J. Permentier (Eds.), Semiotic Mediation: Sociocultural and Psychological Prespectives. New York: Academic Press, 1985.

VEIGA, J.  (2004). Os Kaingang e Xokleng no panorama dos povos Jê. LIAMES, 4:59-70. Campinas:  UNICAMP.






[1]   Para os Laklãnõ (Xokleng) existem duas história de geração: a primeira história é do grupo Vãjẽky, estes  emergiram da água. A segunda história é do grupo Klẽdo, estes emergiram da montanha. Ambos emergiram em lugares distintos, mas são do mesmo clã, seus costumes e rituais são semelhantes.
[2]   Segundo Veiga, J.  (2004), os Laklãnõ viviam em aldeias permanentes. Ao longo do tempo, em função dos conflitos e das perseguições dos brancos tornaram-se seminômades.
[3]  De acordo com Gakran as narrativas que foram gravadas junto as pessoas mais velhas nos anos 80, isso   confere que as aldeias eram circulares. Greg Urban (1978) sugere que fosse baseado em descrições de pessoas mais velhas e informação sobre pesquisas arqueológicas.
[4]    Para os Laklãnõ tudo era sagrado, acreditava na natureza, acreditava na existência de um ser supremo.
[5]   Informação das historia e narrativas do povo Laklãnõ (Xokleng) que gravamos nos anos 80. Os ancião que informaram era considerados os mais sábio da comunidade na época, hoje já falecidos. 
[6]    ‘gyjun  Espírito familiar, espírito que dá poderes.
[7]    ‘kuplẽg’ Espírito dos mortos, almas.
[8]    Esta história gravada pelos anciãos nos anos 80 permanece ainda na integra. 

RESULTADO PRELIMINAR SOBRE MARCA DE GÊNERO EM XOKLENG/LAKLÃNÕ

Os estudos desenvolvidos sobre a gramática da língua Xokleng/Laklãnõ até aqui, tem seguido uma orientação linguística antropológica, tendo a experiência cultural do povo Xokleng/Laklãnõ como referência para a interpretação das noções codificadas pela língua. Assim privilegiamos o estudo da gramática como conhecimento moldado no modo como os Xokleng/Laklãnõ veem o mundo e como nele interagem uns com os outros e com a natureza em que vivem e de onde tiram o seu sustento.

Marcas de Gênero

A língua Xokleng/Laklãnõ expressa uma distinção de gênero biológico – ‘macho’ versus ‘fêmea’ – por meio de diferentes estratégias:
a).  Uma terceira pessoa singular feminina ‘zi’ e de uma terceira pessoa ‘ta, ti’ no singular masculina, distinção que se neutraliza no plural, em que uma mesma forma pode referir-se tanto a vários seres masculinos, femininos ou seres de ambos os sexos representados pela partícula ‘óg’;
b). Um morfema de terceira pessoa feminina ‘zi’ seguindo todo sintagma nominal que tem como referente um ser do gênero feminino;
c). Distinção lexical dos gêneros masculino ‘kónhgág’ macho e feminino ‘’ fêmea; presença de termos de relações de parentesco que contrastam o que é do macho do que é da fêmea, ou o que se relaciona a um ou a outro. Trata-se, portanto de gênero puramente com bases biológicas. Observe  a seguir.

A formazi seguindo nomes

O Xokleng/Laklãnõ distingue nomes de pessoas do sexo masculino de nomes de pessoas do sexo feminino. Na cultura, os homens não podem receber nomes femininos, nem as mulheres nomes masculinos. Veja na lista nomes de pessoas dos dois sexos:

Nome Masculino
Nome Feminino
Nome Masculino
Nome Feminino
Tukun
Ãmẽdo zi
Dil
Van zi
Vãjẽky
Txulunh zi
Kóvi
Tádo zi


A marca de gênero nos nomes

A Marca de Gênero em Xokleng/Laklãnõ é expressa por meio de concordância nos nomes. Todo sintagma nominal que tem como referente seres humanos do sexo feminino recebe uma marca de gênero, já quando o referente a masculino ou macho não leva marca de gênero. Observe nos exemplos que se tratando de um nome de pessoa do sexo feminino, assim recebe a marca ‘zi’, uma marca que se gramaticalizou como concordância nominal de gênero: Veja exemplo
Van zi kutã mũ’ → a Van caiu.


Em Xokleng/Laklãnõ no que diz respeito aos animais, nomes de animais que figuram como atributos em construções genitivas[1] mediadoras, se do sexo feminino, ou se fêmeas são modificados pelo nome ‘fêmea’ e se do sexo masculino são marcados pelo nome kónhgág  ‘macho’. Veja os exemplos:
glun   tõ      tá.
 gato  gen   fêmea  → gato fêmea.

kabe      tõ     kónhgág
veado   gen     macho       → veado macho

Já em função argumental – sujeito, objeto direto, agente, complemento de posposição, recebem, além dos termos classificatórios de gênero – a macho ou fêmea - , os sufixos de concordância de gênero: Veja no exemplo

glun    tõ               zi      vũ     goj     ki     kutã   mũ
gato    gen   fêmea  3ªpsf   MS   água  POSP  cair   perf. →  gato fêmea ela caiu na água.


O Xokleng/Laklãnõ é uma língua que marca gênero biológico em todo nome que tem como referente um ser dotado de sexo. Desenvolveu um sistema de concordância que marca todo nome em função argumental. Sem essa concordância enunciada em Xokleng/Laklãnõ são considerados agramaticais. O sistema de concordância é aplicado mesmo a nomes exclusivamente femininos, o que aponta para o seu alto grau de coerência gramatical. Busquei apresentar, com exemplos simples, mas um panorama fundamental ou básico da marca de gênero da língua Xokleng/Laklãnõ, creio que os dados apresentados mostram a pesquisa  que está sendo desenvolvido nesta língua. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da apresentação é demonstrar ao publico em geral, o potencial e da  importância de investir na formação de pesquisadores indígenas e falantes de sua línguas maternas para serem pesquisadores de suas próprias histórias e de suas línguas maternas, auxiliando assim os professores indígenas a sistematização de suas histórias e as línguas heranças deixados pelos seus ancestrais e assim guardar num acervo seguro para evitar sua perda total, pois sabemos que o próprio índio estudando as histórias e a língua do seu  povo, terão o máximo de cuidado e pesquisar com sentimento e sensibilidade diferente de um pesquisador não indígenas.  Atualmente é inédito no Brasil ter pesquisador índio estudando sua própria história e suas línguas maternas.
Por outro pensei de compartilha uma pequena partícula da pesquisa que estou desenvolvendo com a língua Xokleng/Laklãnõ, o mesmo se trata de uma língua Jê, essa apresentação poderá ser muito útil para o conhecimento de pesquisadores que trabalham com outras línguas minoritárias dessa família.   
Neste sentido espero que isso possa contribuir para despertar maior interesse sobre a importância das línguas indígenas minoritárias brasileiras.






[1] São construções que têm por núcleo um nominal que é possuído por um outro nominal (incluindo-se os     pronominais). Semanticamente, o nominal possuído pertence ao possuidor, faz parte ou é uma extensão dele.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SAÚDE NA ESCOLA E.I.E.B.LAKLÃNÕ

A Escola Laklãnõ em parceria com o Pólo Base de José Boiteux, pertencente ao Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul, estão desenvolvendo um trabalho de Promoção em Saúde com seus alunos e professores.



No dia 3 de agosto de 2009 promoveram uma roda de conversa com 18 professores com o objetivo de promover uma reflexão sobre saúde e educação visando estimular cuidados e práticas de prevenção a carie dentária e planejar atividades de promoção de saúde bucal com seus alunos.


Entre os dias 4 e 7, os professores e a dentista discutiram o trabalho transversal de conteúdos de saúde no currículo escolar . A partir de então a dentista Drª Maria Aparecida de Araujo Guerra, tem participado de atividades com alunos de 1ª a 4ª série. Em rodas de conversa tem discutido a importância do autocuidado, do auto-exame, da escovação diária, aplicação tópica de flúor para preservar a saúde bucal, realizando a seguir escovação dental supervisionada com creme dental fluoretado, aplicação tópica de flúor e um levantamento de necessidades individuais com objetivo de identificar os alunos que carecem de tratamentos dentários e encaminha-los para tratamento.

A próxima etapa dessa parceria será a integração da enfermeira e psicóloga do Pólo Base para uma abordagem à educação sexual e reprodutiva, consumo de álcool, tabaco e outras drogas. De, pois de varia tentativa com os representantes da saúde (Pólo Base – José Boiteux), a Escola Laklãnõ, conseguiu uma vaga ou o dia todo para atender uma vez por mês os estudantes e professores da escola. Mas ainda não é o suficiente; a Direção da escola quer que a dentista pelo menos duas vezes por mês. No ultimo dia 07 de outubro de 2009, iniciou se o atendimento para os alunos de 5ª a 8ª séries, no Posto de Saúde da Aldeia Palmerinha.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

MENSAGEM DE ALUNA DA 7ª SERIE DA E.I.E.B.lAKLÃNÕ

Amigos e Companheiro,vocês professores com eu,  gostaria que le se esta mensagem de uma aluna Xokleng e faça sua refleção sobre isso. Realmente fiquei pasmo ao ler esta mensagem quando foi coloc no mural da escola. Os amigos que lerem esta mensagem e repassa para outro. Sinceramente fiquei sem palavra, porque crianças com esta idade já sente como nos professores somos desvalorizados. Diante desta mensagem não tenho mais argumento para orientar meus alunos de seguir a profissão de Magistério.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

ALMA SOBREVIVENTE NO CONTEXTO CRISTÃO, FILOSÓFICO E XOKLENG

Desde o inicio da humanidade acredita se que existe outra vida após a morte. Que a morte é uma passagem da vida terrena para o outro lado da vida, para o convívio com os deuses. Sobre esta idéia de ‘alma sobrevivente’, interpreto que tudo o que vemos no mundo são imitações das idéias perfeitas do mundo das idéias, que consistem em matrizes de tudo o que existe. Para mim, o que está no mundo é cópia daquele seu modelo. Neste sentido vamos interpretar comigo quem é que está correto sobre esta idéia da alma sobrevivente.
Segundo os cristãos, a alma do homem, após sua morte, vai para um lugar preparado chamada ‘paraíso’, para esperar o dia do juízo final, aonde será julgada conforme suas obras aqui na terra. Assim, uns ganharão galardão e outros a condenação eterna. Quase com a mesma interpretação, os católicos pregam que a alma do homem após sua morte fica num lugar chamada de ‘purgatório’, para se purificar e depois serem perdoados no dia do juízo final, assim uns serões julgados conforme suas obras aqui na terra e assim ganhar seu perdão e outros a condenação eterna.
O filósofo Platão (428 a.C. - 347 a.C), acreditava que as almas migram de um corpo para outro após a morte. Assim, uma alma transmigra para vários corpos antes que o seu ciclo de perfeição chegue ao fim. Mas, conforme a sua situação, ela poderá ter diferentes formas de seres vivos. Para Platão, as almas que tiverem praticado a virtude comum, não filosófica, poderão reencarnar em animais mansos e sociáveis ou em homens honestos e virtuosos. Para ele, as almas que cometeram crimes gravíssimos e irreparáveis a punição é longa. Segundo Platão, por ter praticado a injustiça, será passada pela dor e pelo sofrimento, tanto na terra como no ‘Hades’, que é o lugar para onde irão as almas após a morte.
Com o mesmo ponto de vista dos cristãos e do filósofo, o Xokleng interpreta desde o passado remoto até os dias atuais sobre a alma após a morte na vida terrena. Segundo o depoimento coletado dos anciões Xokleng nos anos oitenta, o Xokleng acredita que existe uma vida após a morte. No ponto de vista Xokleng, o homem é um ser de duas dimensões, composta de corpo e alma. Isto confirma o que Platão afirmava sobre a idéia de duas dimensões humana. De acordo com o informante “kujá” Ulol, havia um lugar preparado para as almas daqueles que se foram desta vida terrena e que neste lugar todas as almas, tanto adultos como crianças, ficam esperando seus entes queridos que um dia vá encontrar. Enquanto esperava seus entes queridos, eles faziam seus afazeres do dia a dia ali. Para o Xokleng, a vida continua no mesmo ritmo depois da morte, significa para eles que é uma passagem da vida terrena para uma vida nova.
Sobre esta idéia de alma sobrevivente, interpreto que independente das etnias e crenças religiosas ou filosóficas, a idéia sobre a ‘alma’ ou vida após a morte, seguem o mesmo raciocínio e com a mesma ideologia, ou seja, cópia do modelo que já está no mundo com interpretações diferentes.

AUTOR: Prof. Nanblá Gakran – (Sociólogo e Lingüista)





AO CONTRÁRIO DAS AFIRMAÇÕES DOS ANTROPÓLOGOS

O povo Laklãnõ (Xokleng) é sobrevivente do grande massacre do inicio do século passado na região do alto vale do Itajaí. Em 1914, obtiveram ‘contato’ com a sociedade não indígena. Contato o qual foi uma decisão do próprio povo, diferente das afirmações dos historiadores, de que o povo foi amansado. Para facilitar a comunicação entre os Laklãnõ (Xokleng), o primeiro chefe do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, trouxe consigo seis famílias Kaingang do norte do estado do Paraná. Estas famílias Kaingang foram trazidas pelo fato de que a língua ou dialetos dos mesmos era muito parecido, com isso, o povo foi considerado na época como outro grupo Kaingang. Ao passar alguns anos, ficou confirmada que era outro povo com língua e costumes diferentes, mas da mesma família lingüística. Para os pesquisadores das histórias indígenas, afirmo o seguinte: como membro do povo Laklãnõ (Xokleng), desde os meus primeiros momentos de leitura sobre a história do meu povo a qual pertenço sempre me incomodou e me preocupava com o seguinte, citado pelos Antropólogos e Historiadores: “Terra Indígena Ibirama” pertence a três etnia ou a população é composta por três povos como: Guarani, Kaingang e Xokleng”. Como membro do povo Laklãnõ (Xokleng) e defensor da história e principalmente da língua materna, afirmo que isto é ‘inverdade’ dos historiadores. Ao contrário de todas as publicações, afirmo que existem descendentes do povo Kaingang trazidos para esta Terra Indígena em 1914. Isto quer dizer que logos após o contato com os Laklãnõ, houve casamento entre ambos, isso gerou descendentes que atualmente habitam na T.I, e nos anos oitentas também houve casamentos de Laklãnõ (Xokleng) com alguns indivíduos Kaingang homens e mulheres e isto também gerou descendentes. Mas isto não significa que há famílias Kaingang na T.I.Ibirama. Considero família Kaingang, quando os cônjuges são da mesma etnia. Afirmamos que atualmente na T.I. Ibirama há duas etnias, Guarani, Xokleng em sua maioria e alguns indivíduos Kaingang, os mesmos confessam que se sentem Xokleng puro e não mestiços de Kaingang.
Com convicção e sem medo de errar, estou afirmando ao contrário das publicações já vistas sobre o povo Laklãnõ (Xokleng), acredita se que com esta nota sobre o povo, não haverá mais equívoco da parte dos pesquisadores sobre este assunto, que as novas publicações sobre o povo sejam com muita atenção para não haver mais esta inverdade.

AUTOR: Prof. Nanblá Gakran - (Sociólogo e Lingüista)