RESUMO
Este trabalho
aborda as crenças e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng que atualmente vive
na Terra Indígena Laklãnõ nós quatro municípios catarinense: José Boiteux,
Vitor Meireles, Itaiópolis e Doutor Pedrinho na região noroeste do estado. Atualmente as crenças e espiritualidade desta
sociedade na aldeia passam por uma revitalização que ao logo da história de
contato com a sociedade não indígena era deixada de lado, hoje está sendo
revivida de acordo com a realidade atual deste povo. O que era no passado
destinado para catequisar e assim integrar os indígenas à sociedade dominante. Hoje
as casas de oração na aldeia é considerada
um lugar para expressar sua fé cristã e assim reafirmar suas crenças tradicional
e da mesma forma reafirmar sua identidade enquanto povo. Da mesma forma as
casas de oração faz parte das demandas e dos projetos políticos do povo. Sob
este olhar é reconhecido pelo povo como um espaço de interações e também
considerada como espaço de contato entre
mundo distinto, entre forma de saber e conhecimento distintos espiritual. Sob
este olhar entre a crença e a espiritualidade, este artigo objetivou trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do
tempo que é sobre crenças tradicionais e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng
no passado antes do contato e como está sendo agora. Assim buscou se apresentar
um panorama geral sobre o que é a crença e espiritualidade tradicional e a religiosidade dogmáticas sob o ponto
de vista do povo e no contexto desta
sociedade. O
presente trabalho retrata como era vista pelos Laklãnõ/Xokleng a cosmologia e o
respeito pela natureza no passado distante e suas lembranças e quais as suas
perspectivas para as novas gerações e como é a luta para manter seus costumes
diante da invasão de diversas outras culturas.
PALAVRAS-CHAVE: índios Laklãnõ/Xokleng;
Cultura; Crenças e Espiritualidade Tradicional.
INTRODUÇÃO
Esse artigo se ocupa
de um tratamento descritivo das histórias sobre as crenças e a espiritualidade do
povo Laklãnõ/Xokleng, certamente com algumas exclusividade de forma como esta
sociedade acreditava numa “cosmologia”[1] de
acordo com sua cultura tradicional no passado distante. Quando estamos se referindo
com alguma exclusividade, estamos nos referindo que se trata de uma crença
tradicional mas não há uma análise aprofundada antropologicamente sobre o
funcionamento das história em um
contexto antropológico ou mesmo linguístico, mas a intenção é colocar a
disposição do publico como era tratada a
espiritualidade desta sociedade e assim diferenciar um espaço sobrenatural,
afirmando que há uma dimensão superior que seria céu e uma dimensão inferior
que seria terra. Sobretudo no contexto dos Laklãnõ/Xokleng, no que ela
se insere para uma reflexão sobre todos os aspectos nos processos tanto educacionais
como no próprio ambiente nas casas de orações (igreja).
Ao longo da história dos povos indígenas, a
finalidade do cristianismo era destinado
à catequizar em crença dogmáticas e assim ‘civilizar’ os nativos para assim integrar a sociedade dominante. Mas o que se pode entender que as crenças e a
espiritualidade dos povos nativos já existiam desde inicio da criação da
humanidade, pois ali todos os saberes tradicionais culturais e crenças eram cultuados de acordo com a realidade de cada
povo, assim, a visões de mundo destes nativos estabelecia os símbolos que
relacionavam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais
de acordo com cada especificidade de cada povo de acordo com sua realidade. O que
não se pode confundir é a conversão dos povos indígenas para uma determina
crença religiosa dogmática cristã e isso é vista pelos ‘intelectuais’ como uma transformação
com finalidade de fazer com que esses nativos deixam de praticar suas crenças e
espiritualidade tradicional de lado. Como pertencente de um povo nativo, considero
que converter se a uma fé cristão, é um complemento de uma crença que já
existia ao longo da história de qualquer povos nativos ou indígena.
Neste contexto,
o universo próprio criado pelos Laklãnõ/Xokleng e os elementos da natureza são
dotados de espírito e segundo suas crenças são seres passíveis de se
comunicarem e de se relacionarem com os próprios Laklãnõ/Xokleng, criando assim
um clima de compartilhamento do espaço, do tempo e da vida cotidiana. Em sua
espiritualidade eles estabelecem uma interação com o mundo criando uma
realidade onde pessoas são formadas e formam a natureza, compondo um todo
indissociável. Este contexto pode ser compreendido como a luz do saber
tradicional que é forçada e sustentada e faz mover o povo através de símbolos
poderosos, de sonhos, de projetos e de visões, estabelecendo uma relação de
alteridade entre os seres da natureza e as pessoas. Por essa razão, a conversão
de qualquer sociedade indígena a uma fé Cristã não deve ser vista como um
intruso para a perda dos costumes e crenças de acordo com sua realidade, mas
sim deve ser vista como complemento do que já existia.
Sob este ponto
de vista, de acordo com nossa análise, a capacidade de uma sociedade indígena de se comunicarem com os
espíritos de animais, de plantas e mesmo de seres inanimados que por sua vez
podem se manifestar na forma humana, sobretudo os líderes espirituais como “kujá”
(Pajés) para este povo é muito forte. Da mesma forma a espiritualidade
demonstra-se também de diferentes formas em outras nações indígenas de acordo
com a família linguística que pertence. Entre a sociedade Laklãnõ/Xokleng, nos
faz entender que há uma relação de alteridade e reverência a seres da natureza
como componentes fundamentais de sua cosmologia que estabelecem entre a
natureza. Como citamos anteriormente, pode se dizer que a espiritualidade
indígena fundamenta-se na unidade entre o natural e o social por meio da
ligação a poderes atribuídos a determinados seres naturais como animais,
plantas e ou outros elementos.
Sob
este entendimento, o objetivo deste artigo é apresentar ao leitor como é as
crenças e a espiritualidade na cultura desta sociedade através das histórias narradas pelos anciãos e
assim tentar demonstrar como era a realidade dos Laklãnõ/Xokleng que resistiram
à invasão e disseminação de diversas culturas em seu território tradicional antes
e pós contato com a sociedade não indígena.
Da mesma forma queremos justificar que decidimos aceitar o convite para
publicação deste artigo para colocarmos
a disposição do publico em geral, como era e como está sendo as crenças e
espiritualidade deste povo através das narrativas de alguns anciãos considerados
grandes narradores das histórias orais na época, hoje já falecidos. A intenção
é trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre
crenças tradicionais e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng no passado antes
do contato e como está sendo agora e assim tentar preservar o que sobrou das
histórias narradas oralmente desta sociedade.
Organização Social Antes do
Contato com a Sociedade Não indígena
Antes do contato com a sociedade não
indígena, segundo as histórias contadas pelos anciãos, o território tradicional
ocupado pelos Laklãnõ/Xokleng se estendia do planalto até o litoral, entre o
Porto Alegre no estado de Rio Grande do Sul até os campos de Curitiba e
Guarapuava no Estado do Paraná, incluindo quase todo o centro-leste do estado
de Santa Catarina excetuando a orla marítima. Atualmente os Laklãnõ/Xokleng são
tradicionais ocupantes das terras localizadas entre o litoral e o planalto mais
especificamente no Alto Vale do Itajaí.
Em sua maioria a população são Laklãnõ/Xokleng, falam a língua com o mesmo nome
do povo. A língua falada é da família linguística “Jê” meridional. Há também
alguns descendentes do povo Kaingang trazida no inicio do século passado para
ajudar no contato dos Laklãnõ que ocorreu em 1914. O que se deve deixar claro que na Terra Indígena
Laklãnõ, não há família do povo Kaingang, mas sim descendente e alguns
casamento de mulheres Kaingang com homens Laklãnõ/Xokleng, o que não deve ser
considerado como famílias mas sim como descendentes. Por outro lado há algumas famílias do povo
Guarani Mbya migrada para o território dos Laklãnõ e convive pacificamente este
o povo Laklãnõ/Xokleng.
Segundo VEIGA,
J. (2004), antes do contato
oficial com a sociedade não indígena, os Laklãnõ/Xokleng, além da caça e da
coleta, praticavam a agricultura[2] e com isso viviam
em aldeias permanentes. Diferente de outros autores afirmarem que a sociedade
Laklãnõ era nômade ou seminômade. O que a autora nos coloca, isso confirma as
história que ouvia dos anciãos como membro nativo deste povo e também como pesquisador
desta sociedade. As histórias que eu próprio ouvia dos anciãos Laklãnõ/Xokleng
e principalmente do meu pai e do meu avô desde minha infância, antes do contato
com a sociedade não indígena, na medida da ocupação dos seus territórios pelos
colonizadores, deu se o início dos conflitos e também das perseguições e assim
muitos Laklãnõ/Xokleng foram mortos por esses invares europeus. Esses conflitos
fez com que o povo se tornar seminômades, vivendo da caça e da coleta dos
pinhões, “zág zy” (fruto da Araucária ou pinhão). Por causa destes conflitos e perseguição
dos colonizadores na região onde viviam, os Laklãnõ não obtiveram mais
acampamentos fixos e desta forma deixaram de cultivar as terras.
De acordo com minha pesquisa para Dissertação
(2005), os anciãos que foram consultamos, afirmaram que no passado antes do
contado com o não indígena, os Laklãnõ/Xokleng dividiam e organizavam seu tempo
em dois períodos, verão “lõ” ou “plõg” como chamava e inverno
“kutxó”. Assim, passavam o inverno todinho
no planalto em época de pinhão, um dos principais fontes de
alimentação desse povo. No verão, desciam para o vale a onde se reuniam e
construíam acampamento (ranchos) em semicírculo, voltados para uma praça
central onde faziam os rituais de preparação (iniciação), casamentos, ritos
funerários, confraternizavam se, caçavam e planejavam ataques aos inimigos[3]. Terminada a
estação cerimonial, a vila se desfazia e os grupos saíam para mais uma jornada
no planalto no inverno e se reencontravam novamente para outra cerimônia já
planejada no verão seguinte.
Segundo os anciãos Laklãnõ/Xokleng
(2005), após o casamento o homem sai da casa dos pais e passa morar juntos com
os pais da esposa, sem que atenuar seus laços com a família extensa de origem, pois
davam grande valor às lealdades paternas. De acordo com meus colaboradores (informante)
e como membro desta sociedade afirmo que, existia no passado antes do contato ‘poligamia’,
mas não existia ‘poliandra’, ou seja, união conjugal com mais de um homem. Greg
Urban (1978) também afirma que além de casamento monogâmico, mas também há
casamento ‘poligamia’ entre os Laklãnõ/Xokleng. Diferentemente do que Jules
Henry (1935) afirmar que havia além de casamentos ‘monogâmicos’ e ‘poligamia’
mas, também na forma de ‘poliandria’ e ainda casamentos em grupo. Discordo
desta informação de Jules Henry (1935), é informação distorcida e não
verdadeira. Atualmente a sociedade Laklãnõ/Xokleng se sentem humilhado e sente desconfortável
com esta fonte, pois as informações que tenho
como membro deste povo ter me criado e vivido junto com grandes narradores
ancião nos anos 80, lamentavelmente afirmo que é uma fonte não verdadeira. Quando falamos que discordamos são
discordância da própria comunidade Laklãnõ/Xokleng, os mesmos argumentam que
isso viola a imagem histórica e integridade desta sociedade.
O ritual de Iniciação das Crianças
A maior festa dos Laklãnõ acontecia por
ocasião da furação dos lábios dos meninos “glókózyn”, onde
vários grupos se reuniam comemorando com danças “ãgglan” e muita bebida feita à base de mel, água e xaxim e depois
de pronta chamada de “mõg”. O povo
considerava que com três a cinco anos de idade os meninos tinham que ter
botoques inseridos no lábio inferior. Já as meninas, com a mesma idade, recebiam
‘tatuagens’ ou marcas na perna esquerda, abaixo da rótula. Os padrinhos
responsáveis pela perfuração labial e também pelas tatuagens eram os mesmos que
enterravam o cordão umbilical da criança ao nascer e que mais tarde,
acompanhariam o desenvolvimento e socialização das crianças até a fase adulta.
Normalmente, os afilhados eram os incumbidos da cremação de seus padrinhos
quando morriam.
Atualmente não há
mais cerimônias de iniciação tradicionais entre o povo Laklãnõ/Xokleng, nem para meninos e nem para meninas, apenas
isso está vivo em suas memorias, mas deixado de ser praticada.
A Crença e Cosmologia dos Laklãnõ/Xokleng
O povo Laklãnõ/Xokleng, historicamente era
religios[4], ou seja, desde o passado remoto já acreditavam
que existe céu e terra, para os mesmo no lado de cima considerava que há céu e também
acreditava que existia seres “ãggaplẽg” (espíritos) morando lá, também
acreditava que há uma vida após a morte pois
segundo suas crenças a vida continua no lado de lá[5] após a morte e continuam praticar suas
atividade que praticavam antes de seu falecimento. Os Laklãnõ/Xokleng como quaisquer
outros povos nativos, acreditavam em espíritos ‘gyjun[6]’ e ‘kuplẽg[7]’, que habita entre as árvores, nas montanhas,
nas cavernas ou paredão de pedras, correntezas d’água, ventos, para esta
sociedade todos os animais pequenos ou grandes tem espíritos. Acreditavam
também que encontrar “gyjyn” (espírito) poderia ser perigoso, mas também
poderia ser bom se oferecessem uma ajuda em seu cotidiano. Acreditavam também que
os animais tinham espírito que os controla e protegia, permitindo ou não aos
homens matá-los. Ou seja, o povo Laklãnõ/Xokleng acreditava na natureza. De
acordo com suas crenças, se desobedecerem aos espíritos de animais ou da
própria natureza, eles também poderia matar. Como foi citada anteriormente, os
Laklãnõ por serem um povo muito religioso, também acreditavam que existia um ser superior que está acima de nós “Ãgglẽnẽ”.
Em março de 1984 a
junho de 1985, dei início à pesquisa para registrar as histórias do povo Laklãnõ/Xokleng, a intenção
inicial não era registrar em livro ou fazer uma análise linguística, mas
documentá-las em fitas-cassete para preservação das histórias e cultura do
povo a qual pertencia, tendo permanecido como acervo pessoal, e, sem
orientação, transcrevi todas as fitas para a escrita Laklãnõ da forma como
entendia. Na época da coleta das histórias, utilizei gravador com simples fita
K7 e depois transcrevia de próprio punho tudo em caderno, sem imaginar que num
futuro próximo este corpus serviria
como o maior tesouro da história do povo Laklãnõ/Xokleng. Hoje é um grande
tesouro, reconhecido pelo povo, pois todos os grandes narradores Laklãnõ,
autores das histórias deste corpus,
já faleceram. Da mesma forma, sem imaginar que num futuro próximo todo esse
material serviria como material de leitura e também como base para a elaboração
de uma gramática de referência desta língua, que está hoje a cargo do meu doutoramento.
Considerando como membro desta sociedade,
quero deixar registrado, que nada acontece por um acaso, tudo isso estava
escrito pelo grande criador supremo “Ãgglẽnẽ”, que em algum momento estes corpus estaria sendo utilizada
para revitalizar a história do povo Laklãnõ/Xokleng e assim reafirmar a
identidade étnica desta sociedade.
Como mencionada
anteriormente, em uma das histórias narradas pelos anciãos que gravamos, a
história fala que depois do contato em 1914, por volta de 1927, um pouco mais de dez anos de contato, um dos
últimos maior “kujá”, seu nome era Kámlẽn, antes de sua morte, ele falou para as pessoas que estavam junto
dele, apontou com a mão para o céu, dizendo que o buraco ou porta do céu ficava
ali naquela direção, “no sentido oeste”. O mesmo afirmou que, por aquela porta
estava subindo com um "Ser"
com o nome "JUN, JUJU[8]"
para morar junto com ele no além (céu), lá estaria intercedendo por eles e tudo
eles precisar é só pedir que ele próprio estaria os ajudando com isso.
Diante da fala do ‘kujá’ Kámlẽn,
observamos também que nas outras histórias gravada também afirma esta versão de
existir um céu e uma terra já desde os tempos dos seus ancestrais, antes do
contato com a sociedade não indígena.
Considera se relevante
destacar que por volta de 1927, quando o grande ‘kujá’ Kámlẽn falou isso antes
de sua morte, o cristianismo não havia sido penetrado na Terra Indígena. Ou
seja, o cristianismo foi implantado entre a comunidade Laklãnõ/Xokleng somente
em 1948, ou seja, aproximadamente vinte anos após.
Diante deste contexto,
observa-se que o povo Laklãnõ/Xokleng acreditava e fazia esta diferença de existir
um céu e uma terra. Também diante desta
fala do Kámlẽn , nos mostra claramente de que o povo acreditava que há seres no
céu como na terra. Esta fala nos afirma
que o povo não só acreditava nos espíritos de animais, mas sim, num "Ser" superior que está acima de
nós.
Reforçando esta mesma fala,
em outra história que foi gravado na mesma época, também afirma da existência
de um céu e uma terra, mas de outra forma. Observe na integra a tradução desta
história: “...no passado distante, havia um gavião igual a onça que comias as
pessoas. Para comer o ser humano, a onça gavião levava para o céu a pessoa.
Raptava as pessoas e leva para o céu e lá comia com os demais outros gaviões...
Um dia ‘Kujánhkág’ e seu irmão ‘Nãnbág’ foram caçar e a onça gavião raptou ‘Kujánhkág’
naquele dia. Seu irmão ‘Nãnbág’, passado tempo, subiu atrás lá céu para buscar
seus ossos... Mas antes deste acontecimento os dois iam caçar juntos,
eles sempre falava um para outro dizendo: “ Se um dia um de nós for raptado
pelo onça gavião, aquele que ficar vai atrás buscar os ossos lá no céu e quando
trouxer, loca num lugar distante num cesto que depois de algum tempo, vai se
transformar num homem e assim vai retornar novamente”... Alguns dia depois aconteceu oque os dois
previam, o ‘Kujánhkág’ de fato foi raptado pela onça gavião. Como seu irão
irmão ‘Nãnbág’ tinha contato com os espíritos de gavião lembrou o que haviam
combinado com seu irmão e então ele pegou as penas e fez suas asas e o
rabo, depois de pronta, antes de subiu voando até ao céu buscar os osso do seu
irmão conforme oque havia combinado. Mas antes de subir falou para seus
parentes dizendo: “ ... Eu vou subir no céu buscar os ossos daquele homem
que foi raptado pela onça gavião! Quando eu subir buscar, vocês me esperam
aqui! Por ali fica o buraco (porta) do céu! Então vocês ficam de olho naquele
buraco, vou entrar ali, para vocês me ver, fica de olho lá! Ao Falar isso
para os parentes, ele apontava para o céu no sentido oeste como o “Kámlẽn”
maior pajé Laklãnõ/Xokleng falou antes de sua morte em 1927. Conforme a
história, quando Nãnbág chegou lá no céu, ele viu e teve contato com seres vivente
do sexo masculino e feminino. De acordo com a história há uma vida lá no além-semelhante
à vida aqui na terra, ou seja, há um céu e uma terra. Isso reforça nitidamente que a vinda do cristianismo entre o povo na
aldeia, veio para complementar a sua crença, que já existia ao longo de toda sua história desde o passado remoto até
os tempos atuais.
Pode se observar
claramente na história relatada acima que a sociedade Laklãnõ/Xokleng no
passado distante acreditava numa reencarnação após a morte.
Em outra terceira história também gravada na
mesma época nos anos 80, complementou oque
foi falada nas outras duas história citada anteriormente, mas de forma
diferente. A ler esta terceira história, confirma a ideia de que no passado
distante a crença e espiritualidade do povo Laklãnõ/Xokleng era conforme seus
costumes e suas tradições. Veja esta
terceira história sobre a existência da continuação da vida a pós a morte no
outro lado da dimensão.
O povo acreditava que poderia
adotar espírito de criança e colocá-lo no ventre de sua mulher ou da
filha, para que a criança pudesse renascer, isso se a criança já é falecido. Nesta história na época um dos maiores “kujá”
(pajé) seu nome era ‘Ulol’, quando morria um filho ou um neto, ele buscava
o espírito dessa pessoa seja adulta ou criança, mas trazia e colocava no ventre
da mãe ou da filha e assim renascia o filho ou o neto novamente com as mesmas
características física. Esses costumes e crenças estendeu se até os anos 60 e
com a imposição do cristianismo foi deixada de lado mesmo que no fundo ainda
até os dias atuais se acredita ainda. Segundo a história no lugar a onde ele
buscava o espirito da pessoa falecida,
havia lugar separado para as crianças e também para os adultos e que a
vida no lado de lá após a morte continua
como antes de sua morte. Essa versão reforça ainda mais o que foi citada
anteriormente que o povo Laklãnõ/Xokleng no passado distante acreditava numa reencarnação
após a morte.
Da mesma forma o
“kujá” (pajé) Ulol segundo a história, por ter contatos com vários espíritos,
ao ver necessidade dos seus parentes, ele chamava os bicho de caça como: anta,
porco do mato (queixada), tateto entre outros animais de caça ele chamava para
eles matarem e assim comer carne.
No passado entre os Laklãnõ/Xokleng,
os mortos adultos eram cremados conformes seus costumes e seus restos mortais
eram colocados em um cesto e enterrados. Já as crianças eram enterradas, pois
acreditava se que seu espírito
retornaria ao ventre da mãe e renasceriam novamente. Para isso acontecer, os
pais tinham que ir todos os dias no final da tarde ao lugar onde foi enterrada
a criança para chamar seu espírito e assim segundo suas crenças, o espírito
retornaria junto com os pais para casa e a mãe ficava grávida novamente e com
isso a nova criança que nascia recebia o nome do já falecido (a). Atualmente no
fundo entre os Laklãnõ mais velhos mantém-se ainda viva essa a crença de que o
espírito da criança, depois de morta, retorna para os pais mesmo que a igreja
condena está crença tradicional.
Sob esta imposição da
igreja também, grande parte das plantas medicinais utilizada no passado pelos “kujá” para as curas de doenças
corporais e as praticas do exorcismo tradicional, foram deixadas de lado e
assim todos esses papel foi ocupado pelos pastores evangélicos. Assim, os
mesmos fazem orações, lembram assim as técnicas de cura utilizadas pelos
antigos “kujá”.
Comentário
sobre Alma Vivente no Contexto Cristão, Filosófico e Laklãnõ/Xokleng
No
contexto das histórias tradicionais contada de geração a geração entre os Laklãnõ/Xokleng
que foi citada na integra anteriormente, se fará um breve comentário sobre o
meu ponto de vista como membro nativo desta sociedade.
Desde
o inicio da humanidade acredita se que existe outra vida após a morte. Que a
morte é uma passagem da vida terrena para o outro lado da vida, para o convívio
com os deuses. Sobre esta ideia de ‘alma sobrevivente’ após a morte, interpreto
que tudo o que vemos no mundo são imitações das ideias perfeitas do mundo das
ideias, que consistem em varia ideia sobre a mesma teologia conforme
suas representações nas variadas culturas e cada um com crença
tradicional diferente uma de outras.
Sob
este olhar, o que está no mundo é cópia daquele seu modelo interpretada de
diferentes formas. Neste aspecto interpreto o que considero adequado para cada
cultura que considera correto sobre a ideia da alma sobrevivente.
Levando
em consideração que para os cristãos, a alma do homem, após sua morte, vai para
um lugar preparado chamada ‘paraíso’, para esperar o dia do juízo final, onde
será julgada conforme suas obras aqui terrenas. Assim, uns ganharão galardão e
outros a condenação eterna. Quase com a mesma interpretação, os católicos e
apostólicos pregam que a alma do homem após sua morte fica num lugar chamada de
‘purgatório’, para se purificar e depois serem perdoados no dia do juízo final,
assim uns serões julgados conforme suas obras
terrenas e assim ganhar seu perdão e outros a condenação eterna. O
filósofo Platão (428 a.C. - 347 a.C), acreditava que as almas migram de um
corpo para outro após a morte. Assim, uma alma transmigra para vários corpos
antes que o seu ciclo de perfeição chegue ao fim. Mas, conforme a suas obras,
elas poderá ter uma punição de formas diferentes. Para Platão, as almas que
tiverem praticado a virtude comum, não filosófica, poderão reencarnar em
animais mansos e sociáveis ou em homens honestos e virtuosos. Para ele, as
almas que cometeram crimes gravíssimos e irreparáveis a punição é longa. De
acordo com o Platão, por ter praticado a injustiça, será passada pela dor e
pelo sofrimento, tanto na terra como no ‘Hades’, que é o lugar para onde irão
as almas após a morte.
Com o
mesmo ponto de vista dos cristãos e do filósofo Platão, o povo Laklãnõ/Xokleng
interpreta desde o passado remoto até os dias atuais sobre a vida terrena e sua
alma após a morte terrena. Como se pode ver nitidamente nas histórias acima que
os Laklãnõ/Xokleng acreditam que existe uma vida após a morte. Para o Laklãnõ
nessa percepção, o homem é um ser de duas dimensões, composta de corpo e alma.
Isto confirma o que Platão afirmava sobre a ideia de duas dimensões humana. De
acordo com os meus colaboradores anciãos, a história do “kujá” Ulol citada anteriormente,
o mesmo afirma que há um lugar preparado para as almas daqueles que se foram
desta vida terrena e que neste lugar todas as almas, tanto adultos como crianças,
ficam esperando seus entes queridos que um dia vá encontrar. Enquanto espera
seus entes queridos, eles continuam fazendo seus afazeres do dia a dia que
fazia na vida terrena. Assim para os Laklãnõ/Xokleng, a vida continua no mesmo
ritmo depois da morte, isto significa para eles é uma passagem da vida terrena
para uma vida nova.
Sobre
esta ideia de alma sobrevivente, interpreto que independente das etnias e
crenças religiosas ou filosóficas, a ideia sobre a ‘alma’ ou vida após a morte,
seguem o mesmo raciocínio e com a mesma ideologia, ou seja, cópia do modelo que
já está no mundo com interpretações de diferentes formas.
Considerações Finais.
Este pequeno trabalho não teve grandes pretensões, mas sim, objetivou
trazer a luz algo que estava sempre por traz da cortina do tempo que é sobre
crenças tradicionais e religiosidade entre os Laklãnõ/Xokleng. Busquei apresentar um panorama geral sobre a
como é ponto de vista do povo e no
contexto desta sociedade.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para despertar maior
interesse no meio acadêmico sobre a importância das crenças tradicionais e da
espiritualidade entre os Laklãnõ/Xokleng e os demais povos nativos ou indígenas
no Brasil. Da mesma forma, esperamos que este trabalho possa ser uma ferramenta
de pesquisa entre os professores indígenas Laklãnõ/Xokleng e assim ampliar suas
pesquisas referente a historia das crenças tradicional da sociedade em que
pertence.
Referencias Bibliográfico
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comunidade Xokleng. Monografia de Graduação (TCC). UNIVALI ( Universidade
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Domingues. Musica, Mito e Parentesco: Uma Etnografia Xokleng.
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Mestrado. FURB, 2012
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sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis: Ed.
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SANTOS, Sílvio
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New York: Academic Press, 1985.
VEIGA,
J. (2004). Os Kaingang e Xokleng no
panorama dos povos Jê. LIAMES, 4:59-70. Campinas: UNICAMP.
[1] Para os Laklãnõ (Xokleng) existem duas
história de geração: a primeira história é do grupo Vãjẽky, estes emergiram da
água. A segunda história é do grupo Klẽdo,
estes emergiram da montanha. Ambos emergiram em lugares distintos, mas são do
mesmo clã, seus costumes e rituais são semelhantes.
[2] Segundo Veiga, J.
(2004), os Laklãnõ viviam em aldeias permanentes. Ao longo do
tempo, em função dos conflitos e das perseguições dos brancos tornaram-se
seminômades.
[3] De acordo com Gakran as narrativas que foram
gravadas junto as pessoas mais velhas nos anos 80, isso confere que as aldeias eram circulares. Greg
Urban (1978) sugere que fosse baseado em descrições de pessoas mais velhas e
informação sobre pesquisas arqueológicas.
[4] Para os Laklãnõ tudo era sagrado, acreditava
na natureza, acreditava na existência de um ser supremo.
[5]
Informação das historia e narrativas do
povo Laklãnõ (Xokleng) que gravamos nos anos 80. Os ancião que informaram era
considerados os mais sábio da comunidade na época, hoje já falecidos.
[8] Esta história gravada pelos anciãos nos
anos 80 permanece ainda na integra.
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